terça-feira, 7 de junho de 2022

COLUNA DO JOSÉ SARNEY - TANCREDO, A MALDADE



Por José Sarney

Fernando Lyra era grande amigo de Tancredo Neves, que gostava muito dele, por ter um jeito aberto, simpático, corajoso e por ser bom amigo. Todos sabiam que o Fernando Lyra seria ministro do novo governo. Julgava-se até que ele seria o Chefe da Casa Civil.

Tancredo, com sua grande habilidade, estava montando o Ministério. Queria colocar Freitas Nobre. Teve dificuldade de encaixá-lo. Affonso Camargo dizia que não queria o Ministério do Transporte. Escolha fácil foi a do Carlos Sant’Anna: homem de caráter extraordinário, muito correto e leal a Tancredo, além de muito competente. Foi Ministro da Saúde.

Fernando Lyra, vendo que seu nome não era citado, o Ministério todo composto, entrou no Riacho Fundo, encontrou Tancredo e contou-lhe: “Tancredo, aí na porta há uns vinte jornalistas. Quando entrei, perguntaram-me para que ministério eu seria indicado. Como vi que você já tinha convidado gente para todos os Ministérios e só estava livre o Ministério da Justiça, disse-lhes: ‘Eu vou ser Ministro da Justiça.’”

Essa história me foi contada pelo próprio Tancredo. A ela não dei muita fé porque sabia que o Tancredo queria apenas justificar a escolha do Fernando Lyra para o Ministério da Justiça, onde, afinal, foi um excelente ministro e fez um bom trabalho na retirada de toda a legislação autoritária.

Foi assim que o Fernando Lyra se transformou num grande jurista. Tinha ao seu lado dois professores excepcionais: José Paulo Cavalcanti, grande intelectual, e Evandro Lins e Silva, notável jurista. Boa academia!

Em março de 1985, quando Tancredo estava hospitalizado, e nós vivíamos os primeiros dias da sua tragédia, eu, Vice-Presidente que tinha assumido o Governo, me encontrava hospedado no Palácio do Jaburu.

Numa madrugada, lá pelas duas horas da manhã, fui despertado porque chegara o Fernando Lyra com uma comunicação urgente. Fernando era homem muito inteligente, espirituoso, capaz, bom articulador, cuja convivência no Governo estreitou entre nós uma boa amizade. Se não estou enganado, estava acompanhado de Cristovam Buarque, depois Governador do Distrito Federal e senador, pernambucano, como o Ministro, e muito ligado a ele.

Levantei-me, vesti-me e fui atender, preocupado, o Fernando Lyra, que me disse o seguinte: “Trago-lhe uma notícia muito boa: a Polícia Federal recebeu a informação, devidamente apurada, de que Tancredo está sendo vítima de um feitiço. Fomos, eu e o diretor da Polícia Federal, a um sítio do Riacho Fundo, acompanhados de alguns agentes e do curandeiro que tinha sido apontado como o autor dessa magia negra.”

Fiquei aliviado e, ao mesmo tempo, atônito.

Fernando Lyra continuou: “Presidente Sarney, a Polícia, acompanhada desse pai de santo, começou a fazer buscas onde ele dizia estar enterrada a oferenda, o despacho, e conseguiram desenterrar uma boneca de pano, toda cheia de alfinetes. Ele a entregou à Polícia. Ficamos aliviados, porque desfizemos o feitiço que fora feito e, agora, o nosso Presidente vai melhorar.”

Eu não ri porque a conversa era grave. Aceitei, muito contrito, a notícia do Fernando e, perplexo com a sua fé nos poderes mágicos do feitiço, comentei: “Veja como são as coisas: você prestou um grande serviço ao País descobrindo essa maldade. Agora precisamos saber quem mandou fazê-la.”

Conversamos por mais algum tempo naquela madrugada fria, despedimo-nos e voltei para o meu quarto, lembrando um provérbio que meu avô trouxe do Nordeste, que dizia:

“Três coisas nesse mundo ninguém pode contar: as estrelas no Céu, pau torto e gente besta.”

O que não era o caso do Fernando Lyra. Era a sua amizade por Tancredo que o fazia acreditar em tudo que lhe troux


esse esperança.


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