A construção social de Geni: sobre Fabíola, traição e gozo feminino – Por Gicele Pontes
Agredida
ao sair do motel na companhia de outro homem, Fabíola tornou-se um rosto
conhecido nas redes sociais. Menos por ter sido violentamente sacudida por seu
marido diante de uma câmera, sob os alaridos histéricos de um amigo voyeur, e
mais por ter dito ao marido que ia fazer unha e, ao contrário, ter entrado num
motel.
Esta
história viralizou na forma de memes, posts e piadas machistas. Fabíola teve a
vida devassada e foi julgada de uma a outra ponta do país. O vídeo de sua
agressão foi postado pelo próprio marido e replicado, a seguir, um sem-número
de vezes, como uma espécie de apedrejamento virtual em praça pública.
O
que impressiona é que se fosse homem, o assunto não levantava esta celeuma
toda. Uma coisa privada vira assunto de interesse público em minutos – talvez
menos pelo vídeo que vazou ou pelo prazer da fofoca com o alheio e mais pela
oportunidade do linchamento social (da mulher).
Fosse
o homem a trair, o assunto cairia no lugar-comum das banalidades quotidianas.
Não, não me venham com esta de que homens e mulheres são julgados de forma
igual em casos como este. Não são. Também não me venham com esta de que a
vingança do macho é justa. Nada justifica a humilhação pública. Nem de homens,
nem de mulheres. Mas é preciso ter em conta que, no caso das mulheres, parece
haver um gozo social perverso neste tipo de exposição.
Fabíola
não estava sozinha. Ao seu lado, um homem, também casado, fazia parte da cena.
Seu nome não ganhou o mesmo destaque, a não ser pela alcunha – entre divertida
e abonadora – de “gordinho-da-saveiro”. Quando falam de Léo é quase como se lhe
dessem um tampinha nas costas ou uma piscadela de aprovação. Mas Léo é casado,
tanto como Fabíola. Só que isto não parece ser importante na interpretação
social do cenário.
Léo
é jocosamente associado à performance sexual, à virilidade, e não faltam
relatos de como ele escapou de maiores conseqüências, com o perdão da mulher e
os planos de uma viagem aos Estados Unidos. A história de Léo tem final feliz,
como convém aos vilões simpáticos (sic) com os quais acontece uma
identificação. Do outro lado da cena, uma mulher é traída pelo marido, mas isto
não merece nem uma nota de rodapé nos relatos. Ninguém foi filmar Léo, bater
nele ou humilhá-lo publicamente. Já o nome de Fabíola, este foi esfregado no
chão, alçado à condição de sinônimo da mulher que engana e trai. Fabíola virou
Geni. Boa de apanhar, boa de cuspir.
Gicele
Pontes é promotora de Justiça em Sergipe.
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