RIO MEARIM (GENEROSO E PERVERSO)
Tu que choras água
Por teus córregos
Por teus braços.
Tu que não foste ao mar ainda
Mas que o trouxestes até ti
Tu ora passas aqui em Bacabal
Trazendo do alto donde vens
Mururus, pedaços de aterrados.
Tu que pareces querer levar esta ponte que te sobraça,
Levar todo o mato que por aqui há,
Não passas de um Rio que muito já nos deu e nos tirou.
Do teu misterioso leito
Dá-nos os deliciosos peixes que te habitam,
Tu rio Mearim que transbordas agora, inconseqüente,
Deixas miséria e desespero no teu rastro.
Tu nestas épocas es o algoz das populações ribeirinhas
Das pessoas que te margeiam, te adoram e te conjuram,
Das choupanas cobertas de palmas de babaçu,
Choupanas de taipa
Quando tu desceres ao teu leito, não mais existirão choupanas.
Tu que estás agora carregado, pesado.
Tu que vens lá de cima, tu que nasces nas serras,
Ou entre as serras da Canela o do Negro.
Desces sem medo,
Trazendo e levando vidas.
Quantas vidas tu já levaste?
Não, ninguém sabe! Nem tu sabes!
Sabe-se apenas que tu já levaste muitas vidas,
Levastes amigos meus dentre as vidas que ceifastes.
Ó rio misterioso!
Onde andam aqueles que tu levaste sem deixar vestígios?
Tu que vem lá das serras
Trazes segredos, muitos segredos, mas guarda-os para ti.
Tu que vens de longa caminhada
Pois até chegares aqui
Passaste por muitos lugares,
Pedreiras, São Luís Gonzaga dentre eles.
Tu que és adorado, odiado e explorado,
Mas teus segredos continuam imaculados
Virgem como o babaçu fechado em si (inviolável longe do machado)
Tuas margens são cheias de mulheres,
Lavando os segredos que as roupas não revelam,
Que as roupas não falam
Não falam às pessoas
Mas dizem-no a ti.
Tu sabes muito
Tu que vês o que muitos gostariam,
Mas tu és sigiloso, tu não dizes o que vês.
Das lavadeiras tu vês e ouves muito
Tu sabes muito.
Tu que ora passas aqui em Bacabal
Trazendo lá de cima das serras, coisas, muitas coisas,
Aqui tu transbordas, aqui tu te derramas,
Como sangue por cima do negro asfalto.
Tu lavas o asfalto (ou sujas)
Inverno* 74,
Tu estás sobre a BR-316
Tu chegas até o aterro da Mangueira a quilômetro e meio da tua margem.
O transito está quase cortado
A água sobre o asfalto atinge uns cinqüenta centímetros de altura
Eu brinco com tuas águas
Tu estás veloz.
Eu corro de bicicleta sobre o asfalto,
Tuas águas se abrem para mim
Como ha muitos séculos o Mar Vermelho se abriu para Moisés.
Tu molhas Bacabal, a terra das minhas musas,
A primeira é aquela que me deu o direito à vida,
Deu-me forças para lutar
A segunda me negou o seu amor. Ó Nilda!
Bacabal, grande musa que encerra em si outras.
Tens o coração cortado ao meio pelo Rio Mearim.
Abras o olho Bacabal, senão serás a próxima vítima,
Dos malefícios do progresso.
Bacabal jovem abras o olho Bacabal, abras o olho Bacabal.
Bacabal dos meus amores, coração do Maranhão.
Aí tu estás, Nilda,
Sentada atrás duma escrivaninha
Aí tu estás na Mesa de Renda do Estado
Aí tu estás, nada sentes.
Lembras o dia, que resolvi pegar as asas da ilusão,
Voar as terras alhures?
Tentar tornar real um sonho?
Lembras do abraço da despedida?
Abraço que me marcou, abraço que até hoje sinto,
Mas tu não sentistes Nilda, não sentes.
Tu não sentistes Nilda, nem sentirás,
Porque tu não sentes.
Tu vazaste o meu coração
Como o Mearim vazou Bacabal.
Lembras do Santa Rosa, Nilda?
Onde para ti eu era um palhaço, hipócrita, fanático,
Como tu o dissestes por vez daquela discussão
Quando dividíamos a classe em equipes.
A tua chamava-se Duque de Caxias que, segundo você: “Venceu na vitória”.
Sequer consigo lembrar o nome da minha equipe, mas lembro da tua.
Tu tinhas ódio, eu tinha amor travestido de ódio.
O Mearim transbordava, nós brigávamos.
Anuncia-se o recreio, eu receoso, tu e tuas amigas (a panelinha),
O Mearim passa, esperança.
Leva e trás vidas.
Ele, que no inverno* parece (ou é) feroz,
Mas que no verão é ameno amigo e farto,
E desce devagar, como a observar a cidade, sem os ressentimentos,
Sem a ferocidade do inverno*. As águas descem ao seu leito.
Fica raso, vira brinquedo para os filhos das lavadeiras.
Brincam com tuas águas como com uma marionete.
Tu estás inofensivo Mearim.
Tu és agora brinquedo de criança.
Tu és agora uma cobrinha fina, cobra verde sem veneno, cobra de cipó.
Tu deixaste às tuas margens, os resíduos do inverno,
Tu que desces até o mar, brigas e acabas vencido,
Cedes à força maior, como determina a natureza.
Tu que conheces tão bem a minha mãe,
Tu que já ajudaste na limpeza das minhas roupas
Acolhendo-a aos sábados.
Tu que permitias que em tuas margens eu pescasse
Mas sempre me negavas o peixe. Ó rio Mearim!
Hoje estou longe, estou longe, mas não te esqueço.
Não te esqueço, como não esquecerei nada de tudo que vivi em Bacabal.
Nilda apunhalaste meu coração como o Mearim apunhala Bacabal
Mas te amo como Bacabal ama o Mearim
Por: Flávio X. Mota.
São Paulo, 21 de fevereiro de 1975.
Por aquelas paragens denomina-se inverno a estação das chuvas
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