domingo, 2 de maio de 2021

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO

 

O LADRÃO E A ÉGUA DO RODOLFO

Eram três horas da manhã do dia 28 de março de 1986, sexta feira. Pedro Arcângelo, morador do povoado de Água Preta, foi flagrado roubando a égua manga larga pertencente a Rodolfo Matias, morador de Cincorá, ambas comunidades pertencentes ao vale do Mearim, município de Bacabal-MA. A égua estava amarrada no quintal de Rodolfo que ia viajar nela às 6 horas da manhã para o povoado de Mata Grande, em Alto Alegre do Maranhão, distante de Bacabal cerca de 7 léguas, o que corresponde, em média, 46 kms de distância. Pois bem, flagrado com as mãos na égua, Pedro criou, imediatamente, uma conversa: Oi, Rodolfo, eu estava passando por aqui e vi que o seu belo animal estava amarrado, isso é maus tratos, então estava providenciando a sua liberdade para evitar que você fosse processado por cometimento de crime, conforme a lei de Proteção aos animais. Rodolfo, desconfiado da conduta do desconhecido, perguntou: quem é você? o que você faz no meu quintal a uma hora dessa? como você sabe o meu nome? Respondeu Pedro: sou Pedro, trabalhei ano passado na casa do seu vizinho ao lado. Eu sou um fervoroso adepto da liberdade humana e sou defensor da liberdade dos animais. Retrucou Rodolfo: mas a minha égua não é um ser humano, é um animal sem razão, trato-a como tal, alimentando-a com milho, ração e capim fresco. Também cuido da sua saúde, pois sei o quanto ela é útil para mim. Falou Pedro: esqueça a égua, vamos conversar sobre a liberdade. Você sabia que a última grande Guerra Mundial foi encarada por muitos como a derradeira luta? Você sabia que a sua conclusão foi a vitória definitiva da liberdade? Respondeu Rodolfo: Não sabia. Perguntou novamente Pedro: Você sabia que as democracias existentes nas Duas grandes Guerras mundiais saíram fortalecidas depois daquele conflito armado? Respondeu Rodolfo: eu não sabia. Perguntou, ainda, Pedro: Você sabia que a ameaça mais grave à nossa democracia não são os Estados totalitários, mas sim as nossas atitudes pessoais maltratando os nossos animais? Respondeu Rodolfo: não. Mas o que tem essa égua com democracia, meu senhor? Respondeu Pedro: tem tudo a ver, pois os animais têm direitos. É hora de os homens lançarem um olhar mais humano sobre o movimento animal, como movimento social emergente e solidário para que se questione os paradigmas antropocêntricos da sociedade atual. O homem tem o dever de postular o reconhecimento dos animais como seres que importam moralmente. Continuou Pedro: temos que começar a pensar no que fazer para sermos mais justos com os animais. Temos que procurar escolher os valores que vão guiar a nossa vida com os outros animais da terra. Perguntou ainda Pedro: que tipo de ser humano você é nas relações com o seu próximo e com os animais? Respondeu Rodolfo, com um certo espanto: puxa vida! Nem sei o que responder. Juro que nunca havia pensado nisso. Então, Rodolfo perguntou a Pedro: me diga uma coisa, você acredita que o homem é livre? que tipo de atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão? Respondeu Pedro: o homem não é totalmente livre por causa dos seus instintos e suas obrigações externas. Para sermos bons cidadãos devemos praticar atitudes justas. Disse mais, Pedro: a propriedade fundamental do homem é ser livre para viver, pensar e trabalhar, pois o trabalho é a condição objetiva da existência humana. Finalmente, disse Rodolfo: gostei de ouvir a sua prosa, parece até ser uma pessoa culta, mas tem algo que ainda está me causando perplexidade, portanto, pergunto: se você me diz que o homem é livre para pensar e livre para trabalhar, por que você quebrou a cerca do meu quintal para roubar a minha égua? Respondeu Pedro: Roubar também é trabalhar, e como você gostou da minha prosa, peço licença para me retirar. Moral da história: é principalmente conversando que as pessoas se entendem, não importa a circunstância.

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