domingo, 19 de março de 2023

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO

 


ALICE NÃO MORA MAIS AQUI


Era 21 de março de 1976, dia mundial da infância, domingo. Carlos Augusto tinha 16 anos de idade, morava na cidade de Bacabal na bacia do Rio Mearim. Ele havia chegado em pedreiras/MA, na sexta-feira pela manhã para passar uma semana com sua querida tia Marta. Era o último dia do verão, pois dia 22 já seria o começo do outono. Carlos Augusto praticamente não tinha amigos na cidade, a não ser os seus dois primos Mauro e Jânio. Todavia, duas casas depois da casa da dona Marta, morava Alice, uma menina moça ainda nos seus 13 anos de idade, com um metro e sessenta centímetros de altura e todas as características de uma moça de 15 ou 16 anos. Alice se expressava com muito cuidado e elegância, parecia uma mulher adulta. Imagine uma jovem de 13 anos de idade falando sem palavras de preenchimento, como: oh, eeh, tipo, cê sabe, né? Não, Alice não era assim. Ela falava compassadamente, com uma linguagem bem simples e inteligente. Ela não tinha nenhuma expressão corporal exagerada. Até a forma de andar ereta e compassadamente, impressionava as pessoas. Ela tinha uma pele macia e azeitonada com uma pigmentação equilibrada, nariz, boca e olhos levemente baixos; bochechas arredondadas; queixos pequenos e testa curvada pouco proeminente despertando um cérebro feminino superior a qualquer homem. Ela tinha um senso de humor inigualável e transmitia um carisma enigmático, sorria com leveza e só trajava vestidos, vez preto, vez amarelo ou branco, mas sempre vestido. O pai da moça era baiano de Feira de Santana e a mãe cearense de juazeiro do Norte. Já por volta das 19 horas de domingo, alguns meninos e meninas começaram a se aglomerar na porta de dona Marta, ela vendia bolo e café no fim da tarde e cuscuz pela manhã. Uma das meninas falou: vamos brincar, aí todos concordaram. Era uma brincadeira que consistia em vendar os olhos de uma delas e, em seguida, ir apresentando as outras para ela com a pergunta “É essa?” e a pessoa respondia sim ou não. A pergunta ia sendo feita até que a pessoa vendada dissesse SIM. Após o sim, ela deveria escolher entre PERA, UVA, MAÇÃ ou SALADA. A escolha dizia o que deveria ser feito. Sendo: Pera: aperto de mão. Uva: abraço. Maçã: beijo no rosto. Salada: beijo na boca. Foi nessa brincadeira que Alice conseguiu burlar o jogo para se deixar ser beijada por Carlos Augusto. Ele nunca havia beijado uma garota até aquele dia. Também ele não entendia como ela havia escolhido um garoto magricela com aspecto de matuto. Mal ela sabia que ele a olhava sem parar, mas ser escolhido por ela, para um primeiro beijo, já era demais. A brincadeira durou pouco. A garotada debandou e Alice junto com elas. Augusto não conseguiu dormir. No dia seguinte, logo pela manhã, foi à feira com tia Marta, mas não viu Alice na porta e em lugar nenhum. Porém, no final da tarde, ela apareceu. Foi um susto, mas a voz saiu com a pergunta: hoje tem brincadeira de novo? Ela respondeu: Os dias não são todos iguais. Se iguais fossem seriam enfadonhos e a vida não teria a menor graça. Onde você leu isso? Acho que ouvi na novela o Casarão, da rede globo. Perguntou augusto: Por que você escolheu me beijar ontem? Ela respondeu: achei você parecido com o Eugênio, da novela. Puxa vida, como você sabe de tanta coisa? Quantos anos você tem? Completei 13 anos em 8 de fevereiro, sou de aquário, e você? Respondeu augusto: eu tenho 16, mas não sei qual é o meu signo. Ela completou: não se preocupe, as mulheres são quatro anos mais maduras do que os homens. Outra coisa, não lamente por essa diferença, pois esses quatro anos a favor das mulheres ficam para o resto da vida. Talvez seja essa a razão pela qual as mulheres se mantêm mentalmente ativas até mais tarde. Caramba, como você sabe conversar. Então Alice perguntou: você quer casar comigo? Augusto respondeu: quero. Ela finalizou dizendo: estava brincando com você, mas como você aceitou, agora somos namorados. Ela deu um beijo no rosto de Augusto e disse até amanhã, meu amor. Augusto entrou para dentro de casa e durante a noite ficou a pensar sobre o que ouviu de Alice, enaltecendo suas palavras como se estivesse conversando com ela a noite inteira, apoiou e deu razão a tudo o quanto ela falou, sentiu orgulho de ser seu namorado e passou a noite com a sensação de que estava acordado falando, ouvindo e concordando com tudo o que ela falou. O jovem estava amando. O dia amanheceu e a tia Marta falou: teu pai está aí. Chegou quatro horas da manhã, tua mãe Laura está muito doente e quer te ver. Duas tristezas: a doença da mãe e a separação precoce do primeiro amor. 



Augusto viajou 9 horas do dia sem falar com Alice. Eram tempos diferentes. Os meios de comunicação eram as demoradas cartas pelo correio. Como uma menina de 13 anos iria se corresponder com um menino de 16? O tempo passou e a laranja foi cortada ao meio para sempre. Todos os dias da sua vida augusto pensava em Alice. Um dia qualquer depois de dez anos um amigo disse para augusto que viu Alice em Belém. Augusto tinha 26 anos e já estava procurando trabalho no Mato Grosso. Em 1988 Augusto estava em Bacabal e ouviu tocar na rádio a música (qualquer jeito) interpretada por Kátia. Mais uma vez, Alice reapareceu no seu pensamento. Em maio de 1996, já casado com outra mulher, augusto resolveu matar a curiosidade e acabar com aquela ilusão, viajou para pedreiras. Talvez para resolver uma questão existencial perturbadora. Foi àquela rua onde conheceu a menina, mas tudo estava mudado: outras casas, outras pessoas, outras ruas. Nada era mais como antes. O tempo fez as modificações que costuma fazer. Então, um amigo falou: O irmão de Alice mora na Trizidela do Vale, uma cidade vizinha. Lá chegando, Augusto fez alguns rodeios e fez a pergunta: Mário, a sua irmã Alice, cadê ela? Mário respondeu: Alice não mora mais aqui, foi embora para Manaus aos 19 anos de idade e morreu lá com 26. Ao ouvir aquelas palavras Augusto, irresoluto, pensou: por que eu não voltei aqui antes? Por que não vim aqui enquanto ela ainda era viva? Moral da história: segundo a mitologia grega, chronos significa o tempo físico e cronológico, compreendido como anos, meses, dias, horas, minutos. Nesse tempo podemos prever a fazer as nossas coisas da vida. Porém, o tempo do deus kairós significa momento oportuno, ocasião certa, oportunidade que deve ser aproveitada, se perdida não volta mais. Depois que soube da morte de Alice, Augusto adotou uma filosofia de vida: nunca mais deixou para amanhã o que pode fazer hoje, não existe distância quando ele decide visitar alguém que ele tem vontade de rever, pois, para ele, o tempo não para e nem espera ninguém.



4 comentários:

  1. O Dr. Erivelton Lago transmite habilmente a emoção e a intensidade desses momentos de paixão e arrependimento, utilizando uma linguagem simples e direta para criar uma atmosfera de saudade e reflexão. A descrição detalhada de Alice, com suas características físicas e de personalidade, ajuda a construir uma imagem vívida e cativante da personagem, tornando ainda mais impactante a sua morte prematura, que enfatiza o valor do tempo e a importância de aproveitar as oportunidades da vida. A paixão intensa e interrompida de Carlos Augusto por Alice serve como um catalisador para a reflexão sobre o significado da vida e a importância de pensar sobre a natureza do tempo e do amor, e de viver plenamente aquele momento que exige plenitude. É uma lógica inteligente e um conselho de saúde! Bom Domingo!

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    1. Caramba, inusitado comentário. Isso demonstra a relatividade das percepções pessoais sobre a vida. 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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  2. A descrição de Alice é impressionante. As palavras escolhidas transmitem a elegância, a inteligência e a maturidade precoce de Alice, sua forma de falar, a ausência de expressões corporais exageradas, o senso de humor inigualável e carisma enigmático. Além disso, a descrição da pele macia e azeitonada de Alice, nariz, boca e olhos levemente baixos, bochechas arredondadas, queixos pequenos e testa curvada pouco proeminente, transmite uma imagem visual única e interessante. A descrição de Alice é tão bem feita que é possível entender porque Carlos Augusto se apaixonou por ela e por que ela se tornou tão marcante em sua vida, mesmo após sua morte prematura. A habilidade do autor em descrever a personagem torna a história mais emocionante e faz com que o leitor se sinta conectado com a vida e a morte de Alice.

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    1. É isso, Alice realmente não mora mais aqui

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