Vai começar agora a saga de um repórter que decidiu sair
pelo Brasil para radiografar uma praga chamada corrupção. Por que o dinheiro
público, que devia ir para a saúde, para a educação, para o saneamento, some,
sem qualquer explicação?
O nosso repórter não pode mostrar o rosto, porque o
anonimato é indispensável para o trabalho dele. Por onde passar, esse repórter
secreto vai querer saber: “cadê o dinheiro que estava aqui?”
Eduardo Faustini, também conhecido como o repórter
secreto, tem uma missão: investigar o roubo do dinheiro público, seja onde for,
em qualquer canto do país, em qualquer cidade, grande ou pequena.
Não importa: onde houver corrupção, a qualquer momento, o
repórter secreto pode aparecer e fazer a pergunta que todos os brasileiros de
bem gostariam de fazer: cadê o dinheiro que estava aqui?
Cadê o dinheiro que estava em Anajatuba, uma cidade de 25
mil habitantes no norte do Maranhão? Como toda cidade, Anajatuba precisa
contratar empresas prestadoras de serviço e fornecedoras de produtos. E para
contratar prestadores e fornecedores, a prefeitura precisa gastar dinheiro.
Dinheiro público, evidentemente.
No ano passado, quatro empresas contratadas pela
prefeitura de Anajatuba receberam juntas R$ 9 milhões, mas esse dinheiro da
prefeitura foi desviado e quem descobriu a falcatrua foi o vice-prefeito Sidney
Pereira.
Fantástico: Cadê o dinheiro
que estava aqui?
Sidney Pereira, vice-prefeito de Anajatuba: Aí só quem pode explicar é o prefeito.
Sidney Pereira, vice-prefeito de Anajatuba: Aí só quem pode explicar é o prefeito.
O vice-prefeito checou documentos, descobriu que houve
desvio de dinheiro e fez a denúncia à Polícia Federal (PF) e ao Ministério
Público (MP).
“Se trata de milhões. Milhões que deveriam estar sendo
usados no município de forma mais justa junto com aquelas pessoas que realmente
precisam”, disse Sidney Pereira.
Muita gente realmente precisa desses recursos em
Anajatuba, até mesmo para alimentar as crianças na escola, onde nem sempre tem
água.
Fantástico: Se não pegar água no
poço não tem merenda.
Adozinda Pereira, merendeira: Não, porque tem dia que não dá, e aí a gente tem que fazer a merenda, não é? A gente tem que fazer a merenda.
Adozinda Pereira, merendeira: Não, porque tem dia que não dá, e aí a gente tem que fazer a merenda, não é? A gente tem que fazer a merenda.
“Quando não tem a merenda, eu mando que as professoras
despache antes do horário, porque as crianças não pode ficar com fome”, afirma
Marenice Pereira, diretora da escola.
Quando entra em uma investigação, o repórter secreto tem
um lema: siga o dinheiro. Ele seguiu.
Das quatro empresas contratadas pela prefeitura de
Anajatuba, a que levou mais dinheiro se chama A4. Em 2013, a A4 fechou um
contrato de R$ 6,5 milhões para alugar carros e máquinas.
O repórter secreto foi até a sede da empresa.
Fantástico: A gente está
procurando a A4.
Paulo Moisés de Albuquerque, filho do dono do imóvel alugado pela empresa A4: Era aí.
Fantástico: Era, não é mais.
Paulo Moisés de Albuquerque, filho do dono do imóvel alugado pela empresa A4: Era aí.
Fantástico: Era, não é mais.
Fantástico: Essa empresa
funcionou durante quanto tempo aqui?
Paulo Moisés de Albuquerque: Um ano e meio.
Fantástico: E que que funcionava aí?
Paulo Moisés de Albuquerque: Nada. Funcionava nada, não. Ficava fechado. Só fachada.
Paulo Moisés de Albuquerque: Um ano e meio.
Fantástico: E que que funcionava aí?
Paulo Moisés de Albuquerque: Nada. Funcionava nada, não. Ficava fechado. Só fachada.
Uma empresa de fachada recebe milhões da prefeitura. Aí
tem.
“Essa empresa, na verdade, ela só entra na emissão das
notas fiscais”, conta Sidney Pereira, vice-prefeito de Anajatuba.
O repórter secreto deu mais um passo e foi atrás de um
homem que aparece como sócio da A4: Raimundo Nonato Silva Abreu Júnior. Ele
está sendo investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, mas nega
que seja empresário: “Sou taxista sindicalizado”, diz Raimundo.
Raimundo diz que trabalhou apenas como motorista do dono
da A4.
Fantástico: E por que
usaram teu nome?
Raimundo: Pra não aparecerem. E eu fui descobrir depois de muito tempo.
Raimundo: Pra não aparecerem. E eu fui descobrir depois de muito tempo.
O homem está tenso. Desde que o vice-prefeito fez a
denúncia, Raimundo se sente ameaçado por aquele que seria o chefe do esquema,
por isso anda armado.
Raimundo: Eu vim até armado.
Fantástico: Nós somos jornalistas da TV Globo.
Raimundo: Rapaz, eu vou pra matar ou pra morrer.
Fantástico: Nós somos jornalistas da TV Globo.
Raimundo: Rapaz, eu vou pra matar ou pra morrer.
Daqui a pouco aparece o pai de Raimundo. Ficou
desconfiado do nosso repórter. Ele também é taxista. Ele também está armado,
por baixo da camisa.
Pai de Raimundo: Eu vim
preparado.
Fantástico: Nós somos jornalistas, já nos identificamos com ele. TV Globo.
Fantástico: Nós somos jornalistas, já nos identificamos com ele. TV Globo.
Aí o Raimundo pai se acalma e guarda a arma no carro. Ele
diz que veio defender Júnior. “O cara é inocente, então… Pegar, fazer uma
molecagem dessa. Um caboco desse merece a gente dar um tiro na cara dele”,
disse.
Mas se Raimundo filho não é dono da empresa, quem é?
Ouvimos pela primeira vez o nome de quem seria o verdadeiro dono dessa empresa:
Fabiano de Carvalho Bezerra.
O repórter secreto vai agora à sede de outra empresa
contratada pela prefeitura no ano passado. É a MR Serviços. Valor do contrato:
R$ 855 mil. Para coleta de lixo.
Fantástico: Esse endereço aqui,
ó, Avenida Cafeteira, 1413, em Raposo, é o da senhora, né?
Senhora: É, mas aqui não tem comércio, não.
Fantástico: A senhora mora aqui há quantos anos?
Senhora: Uns 17. Essa casa que eu levantei, aqui era uma lagoa. Só mato quando eu comprei o terreno. Você acredita?
Senhora: É, mas aqui não tem comércio, não.
Fantástico: A senhora mora aqui há quantos anos?
Senhora: Uns 17. Essa casa que eu levantei, aqui era uma lagoa. Só mato quando eu comprei o terreno. Você acredita?
Depois das denúncias do vice-prefeito, a MR Serviços, uma
empresa fantasma, foi substituída pela RR Empreendimentos supostamente para
prestar os mesmos serviços de coleta de lixo.
O repórter Eduardo Faustini foi então até a sede da
empresa, que fica em uma cidade vizinha: Raposa, também na Bahia. Em Raposa, o
repórter secreto ouviu mais uma vez o nome do homem que estaria por trás do
desvio de dinheiro da prefeitura.
Fantástico: Você trabalha aqui?
Funcionário: Trabalho.
Fantástico: Quem é o dono?
Funcionário: Fabiano.
Fantástico: Fabiano? Fabiano de quê?
Funcionário: Bezerra.
Funcionário: Trabalho.
Fantástico: Quem é o dono?
Funcionário: Fabiano.
Fantástico: Fabiano? Fabiano de quê?
Funcionário: Bezerra.
Fabiano Bezerra. Daqui a pouco vamos voltar a esse nome.
Do lado da RR, fica mais uma empresa: a construtora
Construir. A Construir teve em 2013 contratos no valor de R$ 1,4 milhão. Para
reforma de escola e obras em estradas vicinais.
“Essa empresa nunca teve no município”, disse o
vice-prefeito.
E afinal? O que o prefeito tem a dizer sobre isso?
“Essas empresas que foram objeto já de denúncias
anteriores não trabalham mais para prefeitura de Anajatuba”, afirma Hélder
Aragão, prefeito de Anajatuba/MA.
Não trabalham mais porque o atual vice-prefeito foi quem
denunciou às empresas ao Ministério Público e à Polícia Federal. Mas uma delas
ficou.
“Não sei se ainda tem. Acho que ainda tem uma empresa,
acho que é a A4, não é? Que ainda presta serviço pra Anajatuba”, disse o
prefeito.
O senhor prefeito ainda é alvo da investigação da Polícia
Federal por outro motivo: segundo o depoimento de um funcionário da prefeitura,
ele teria fraudado dinheiro do ensino público. Em 2013, Anajatuba tinha 5.500
alunos, mas enviou ao Governo Federal uma lista com cerca de 6 mil crianças.
Isso porque…
Fantástico: Quanto mais aluno…
Vice-prefeito: Mais dinheiro entra.
Vice-prefeito: Mais dinheiro entra.
“Ele tinha apenas dois anos de idade, quando ele foi
matriculado”, disse Roberta Dutra, mãe de menino matriculado indevidamente.
E agora, prefeito? “Esse erro, esse erro, foi algo que
não proposital”, disse ele.
Quando essas crianças da lista começarem realmente a
estudar, tomara que não encontrem a realidade vivida pelos alunos da Escola
Municipal Maria Oliveira Bogea. Veja no vídeo acima as condições em que a
merenda é feita lá.
Fantástico: A senhora pega água?
Funcionária: Pego. Agorinha vim do poço. Esses baldes d’água nós fomo pegar no poço.
Funcionária: Pego. Agorinha vim do poço. Esses baldes d’água nós fomo pegar no poço.
O Governo Federal informa que Anajatuba tem R$ 15,5
milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica. Desse
dinheiro será descontado o valor pago a mais por conta do cadastro fraudado.
“Recebemos uma média de 7 mil denúncias a cada ano. Não
posso afirmar quantas exatamente envolvem prefeituras, mas a estimativa é de
cerca de 70%. Então, 70% de 7 mil envolvem prefeituras”, disse Jorge Hage,
ministro-chefe da Controladoria-Geral da União.
São denúncias de todo tipo, incluindo aquelas sobre
empresas fantasmas. Em Anajatuba, quem estaria por trás delas? As investigações
apontam para Fabiano Bezerra, um empresário da cidade.
No mês passado, um ex-funcionário de Fabiano deu
depoimento à Polícia Federal em São Luís. Com medo de represália, ele pediu
para não ter a identidade divulgada.
O ex-funcionário afirmou que Fabiano Bezerra é o
responsável pelas empresas A4, Construir, RR Serviços e MR Serviços, as tais
quatro empresas que fecharam contratos de R$ 9 milhões com a prefeitura.
A testemunha disse também que o esquema das empresas é
prestar serviços e fornecer produtos superfaturados a diversas prefeituras e
que todas as notas dessas empresas são frias.
O repórter Eduardo Faustini procurou Fabiano Bezerra em
casa e pelo telefone. Ele nega ser dono das empresas. Mesmo assim, defende a
A4. Afirma que o que seriam as verdadeiras instalações dessa empresa são de
primeira qualidade. “A sede da empresa é top de linha! Tem uma placa na frente,
A4, direitinho…”, diz Fabiano.
Fabiano deu o suposto endereço, e o repórter secreto foi
até lá. De fato, tem uma placa na frente, mas veja o que diz um vizinho da tal
sede.
Guilherme Ferreira, comerciante: Uns quatro meses.
Fantástico: Quatro meses que abriu?
Guilherme Ferreira: É.
Fantástico: O senhor vê movimentação aí?
Guilherme Ferreira: Não. Não vejo, não.
Fantástico: Nunca teve empresa aberta aí?
Guilherme Ferreira: Que eu saiba, não.
Fantástico: E o senhor tá há quanto tempo aqui no comércio?
Guilherme Ferreira: Oito anos.
Fantástico: Quatro meses que abriu?
Guilherme Ferreira: É.
Fantástico: O senhor vê movimentação aí?
Guilherme Ferreira: Não. Não vejo, não.
Fantástico: Nunca teve empresa aberta aí?
Guilherme Ferreira: Que eu saiba, não.
Fantástico: E o senhor tá há quanto tempo aqui no comércio?
Guilherme Ferreira: Oito anos.
Mas, afinal, senhor Fabiano Bezerra, cadê o dinheiro que
estava aqui?
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