terça-feira, 21 de dezembro de 2021

COLUNA DO JOSÉ SARNEY - DOIDOS, MAS NEM TANTO

 


Por José Sarney

Algumas figuras populares são adeptas à política. O nosso Sócrates era um dos que sonhava ser eleito para qualquer coisa. Outro, na década de 1950, aqui no Maranhão, era o Paletó.

Ele dizia sempre: “Sou o número um das Oposições Coligadas.” Eu ainda o conheci: ele não faltava a nenhuma das reuniões dos nossos partidos políticos.

O Deputado Clodomir Millet foi, durante algum tempo, o chefe da oposição. Uma hora resolveu dar uma missão ao Paletó: ir todo dia ao TRE assistir às sessões e trazer de volta o relatório do que tinha sido votado e de como havia votado cada um dos juízes.

Um dia, Paletó entrou, meio cansado e revoltado, na redação do jornal O Povo — que pertencia a Neiva Moreira, um dos nossos líderes —, onde nos reuníamos todas as tardes, e foi logo dizendo:

— Dr. Millet, não volto mais ao Tribunal. Está tudo perdido: um juiz da Oposição — como é o Desembargador Eugênio Piva — votou com o juiz do Governo!

Naquela época a política muitas vezes se tornava violenta. Quando organizamos uma passeata para protestar contra o Governo, que tinha sido acusado de estar queimando as casas dos pobres, das palafitas, cobertas de palhas, o Paletó também quis participar dela.

Neiva lhe deu uma bandeira, dizendo:

— Paletó, leve esta bandeira.

Então, o Paletó, “membro número um da Oposição”, enrolou a bandeira no pescoço, deixando uma parte caída nas costas, e foi, exaltado, à passeata, gritando palavras de protesto. Até que, chegando perto do Palácio, onde havia uma fila de soldados com metralhadoras apontando para a passeata, ele parou e disse:

— Seu Neiva Moreira, está aqui a sua bandeira. Arrume um mais doido do que eu que, daqui, não passo!

No Recife havia outro popular meio doido. Ele andava com um capote pesado, absolutamente inadequado para o clima da região. Com a barba grande, entre profeta e andarilho, acompanhava todos os movimentos da Esquerda pernambucana e gostava, para gozação da cidade, de dar conselhos ao Governador. Deram-lhe o apelido de Malenkov, o efêmero sucessor de Stalin.

Certa vez, encontrou Miguel Arraes num comício, aproximou-se dele e denunciou:

— Dr. Arraes, isso não é possível, o Delegado de Polícia de Caruaru não sabe nada de marxismo. É preciso zelar pela doutrina.

Em 1964 ele foi detido. Na prisão o inquisidor, um capitão revolucionário, ao olhá-lo, foi direto:

— Seu comunista miserável, enfim o pegamos!

Malenkov olhou de lado, sacudiu a cabeça e retrucou:

— Capitão, não venha me furar. Eu sou kardecista, da linha 2 — porque existiram dois Allan Kardec. Comunista, jamais! Sou espiritualista.

Malenkov e Paletó não eram tão doidos quanto todos pensavam.

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