domingo, 26 de dezembro de 2021

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO

 O JULGAMENTO DE GREGÓRIO E A ACUSAÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA

Gregório Fortunato nasceu na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul. Era filho dos escravos alforriados Damião Fortunato e Ana de Bairro Fortunato. Foi casado com Juraci Lencina com quem teve um casal de filhos. Trabalhou como peão de gado nas fazendas da região e teve sua aproximação com a família de Getúlio Vargas após participar da Revolução Constitucionalista de 1932, como soldado do 14º Corpo Auxiliar de São Borja, hoje Brigada Militar do Rio Grande do Sul, unidade comandada pelo coronel Benjamim Vargas, irmão do presidente Getúlio Vargas. Após o fracassado Golpe Integralista contra Vargas, Benjamin criou uma guarda pessoal para proteger o presidente, recrutando vinte homens de confiança em sua cidade, entre os quais Gregório Fortunato, que pela sua fidelidade se tornou o chefe da guarda até o final do Estado Novo. Em agosto de 1954, ocorreu o episódio conhecido como "Atentado da Rua Tonelero", que foi a tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda, ferrenho opositor de Getúlio Vargas. Gregório Fortunato foi acusado de ser o mandante do crime, do qual Lacerda saiu levemente ferido, porém o major da Aeronáutica do Brasil, Rubens Florentino Vaz, foi baleado e morreu a caminho do hospital. Durante as investigações, a polícia fez busca e apreensão na casa de Gregório e encontrou papéis que mostravam que, apesar de receber um salário de 15 mil cruzeiros, Gregório era dono de um conjunto de bens estimado em torno de 65 milhões de cruzeiros. Esses documentos apreendidos revelaram ainda que Gregório comprou por 4 milhões duas propriedades do filho mais novo de Getúlio, o Maneco, que se encontrava em situação financeira difícil. Quando os documentos vieram a público, Getúlio Vargas inicialmente não acreditou na veracidade. Depois ficou profundamente abalado. O atentado desencadeou uma crise política que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas, com um tiro no coração, no dia 24 de agosto de 1954. Em 1956, os acusados do crime da Rua Tonelero foram levados a um primeiro julgamento.


Em seguida, Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos como mandante do crime, essa pena foi reduzida a 20 anos por JK e a 15 por João Goulart. O promotor de justiça, Raul de Araújo Jorge, no dia do júri, ‘acusou o mandante com várias frases argumentativas, cito aqui algumas delas: “Sim, senhores jurados, Gregório Fortunato se apresentará hoje aqui como o preto de alma branca levado ao crime pelos brancos de alma negra”; “hoje os advogados tudo farão para desvirtuar o fato que iremos julgar”; como no julgamento dos executores, hoje as palavras da defesa não encontrarão eco”; Inocência, senhores jurados, não se impõe com tanques, inocência prova-se em tribunal popular como este, no calor dos debates, no entrechoque das provas”; “acredito que a defesa não tenha a necessidade de revolver sepulturas para defender o seu constituinte”; “o cão fiel dos Vargas, o homem que pelos Vargas tudo faria, o anjo negro dos Vargas! É assim que o acusado se apresenta”; “mas que curiosa fidelidade iremos ver, curiosa fidelidade que leva o seu pretor ao suicídio”; “esse homem vai tentar se apresentar ao juri como um patriota”; “hoje julgaremos um homem que diz ter visão política e vendo o país à beira do caos, por culpa de um jornalista desabusado (Carlos Lacerda), então nobremente age mandando matar, é assim que ele se apresentará hoje”; “será verdade aquilo que a acusação vem afirmando desde o começo, ou seja, um vil aproveitador?”; ele é o bem ou ele é o mal disfarçado de bem? Qual das duas verdades vai predominar hoje nesse julgamento? “A verdade da promotoria ou a verdade da defesa?” “porque verdades não podem existir duas, a verdade é uma só”; ficou provado que o Climério foi o executor do crime e ele pertencia à guarda pessoal do presidente Vargas e o acusado aqui presente era o chefe da guarda, coincidência?”; “Climério era dos serviços externos, isto é, matar externamente, fiel executor dos serviços externos”; “apavorados diante das investigações e da indisfarçável gravidade dos acontecimentos, tiveram que comunicar os fatos apurados ao Ministro da justiça, Dr Tancredo Neves, que, com rara inabilidade, tachou o fato ocorrido na Rua Tonelero como com o “mero incidente de rua”, isso foi como uma bofetada na sensibilidade de todo um povo”; depois desses crimes a nação ficou estarrecida, via diante de si um governo perplexo, os seus auxiliares não sabiam o que fazer”; no dia 11 de agosto de 1954 o réu foi preso, mas sabem o que ele fez? Silenciou! Jurados, naquela ocasião quando o réu resolveu dizer alguma coisa, disse apenas: sou um negro posudo, eu mato peleando, e continuou no seu falar agauchado, mato peleando não sou homem de atentados, não sou homem de tocaias, não sou um assassino assalariado. Ele negou e os Vargas continuaram sendo arrastados na lama”; jurados, três dias depois o executor confessou, mas todos já sabiam da participação de Gregório no crime; o réu encheu o presidente de mentiras, quando as coisas apertaram Gregório tentou fugir para o Rio Grande do Sul, ele é um capanga, um velho matador, um viciado em matar, um fingido e acostumado a impunidade; esse homem tem a capacidade de conspurcar tudo que ele toca: conspurcou o país, conspurcou o presidente e conspurcou a família do homem que o ajudou a crescer. Parece covardia minha, jurados, valendo-me desta posição de promotor de justiça, valendo-me das minhas prerrogativas, do meu cargo, da minha beca, estar a insultar o réu, estar a adjetivar de maneira tão rude a quem não pode responder, porque se pudesse, estejam os senhores certos, ele faria, mas se assim faço é pela revolta a que me sinto possuído. Por essa revolta que não é só minha, mas de todos. A lei protege e se dirige ao homem comum e não ao homem criminoso do tipo de Gregório Fortunato. Peço a sua condenação. Moral da história: o ministério público de ontem é o ministério público de hoje. A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos.

3 comentários:

  1. A exposição de argumentos dentre a promotoria e a defesa sempre buscarão que a luz da justiça sempre venha a se apresentar intensamente

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  2. Grande Paulo, é nessa dialética entre defesa e acusação que chegamos à justiça substancial. Domingo mostrarei o que disse a defesa nesse julgamento.

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